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The Chimes de Dickens e a Esperança num Mundo Desolado

by - quarta-feira, dezembro 27, 2017


Está cada vez mais difícil ter esperanças vivendo neste mundo e neste século. 2017 foi mais um ano conturbado para a humanidade, mais um ano difícil de atravessar. É interessante esse nosso simbolismo de querer renovar todas as coisas quando mais um ano termina, o que é louvável para nós pobres mortais, que precisemos de incentivo de um ano novo para acertar mais e evitar cometer os mesmos erros do passado. Somos criaturas extremamente imaginativas e é bom que o sejamos, pois do contrário, ficaríamos sempre presos numa monotonia existencial. 

É nesse contexto que a história do velho e doente Tobby "Trotty" Veck se inicia, porém num outro século, tão conturbado e cheio de transformações quanto este no qual vivemos. 


Learn from her life a living truth. Learn from the creature dearest to your heart, how bad the bad are born.

Publicado em 1844, um ano após A Christmas CarolThe Chimes - A Goblin Story of Some Bells that Rang an Old Year Out and a New Year In é o segundo pequeno livro de Dickens da sua série de cinco livros de temas natalinos. Esta segunda história não é tão conhecida como A Christmas Carol, o que é uma pena, pois Dickens nos presenteia com mais uma bela narrativa.

É fato que a miséria faz parte da realidade humana desde o princípio dos tempos. Trotty bem vive isto na pele quando mal tem uma casa decente para viver para dar o melhor para sua única filha, Meg que está noiva do jovem Richard e de casamento marcado para o Ano Novo. A pobreza faz parte da vida desse personagens, mas que até o momento não foi um empecilho para buscarem uma tenra felicidade.

No entanto, o mundo não suporta a pobreza. O desprendimento, a humildade e a fragilidade das coisas nunca é bem vista aos olhos humanos. Ser pequeno é inaceitável; se esconder para não ganhar holofotes não é uma atitude digna de uma "pessoa de sucesso". É interessante o que o professor Olavo de Carvalho diz a respeito dos seus alunos que estudam no silêncio e na paciência de suas casas, sem buscarem fama instantânea, apenas cultivando seus intelectos que precisam ser regados, um exemplo dessa pequenez e humildade que é muito necessária se quisermos um dia sermos grandes.  

Mas para o prefeito e pessoas de influência do povoado de Trotty, todos os males do mundo, incluindo a pobreza, podem ser resolvidos pela lei e pela ordem. Não é à toa que Trotty vira um homem sem esperança nenhuma ao ver o noivado da única filha arruinado por tais pessoas. Na sua ignorância, mas de forma certeira, o personagem se questiona: por que existe o mal? Por que as coisas sempre dão errado na sua vida e na vida de sua família?

Esta tem sido uma das perguntas universais de toda a humanidade desde o princípio dos tempos. O mundo tornou-se para um homem uma prisão que atrofia a liberdade humana - esta liberdade no sentido teológico. É interessante que os antagonistas da história são um retrato perfeito daquilo que Chesterton narra no seu ensaio O Que Há de Errado com o Mundo na parábola de Hudge e Gudge que representam o Governo e os Negócios e Jones, o homem comum. 

É bem verdade que o Gordo era fã de Charles Dickens e pescou muitas inspirações nos trabalhos do escritor para compor sua própria obra. Para quem não compreendeu o que ele quis dizer em O Que Há de Errado com o Mundo, Dickens nos mostra perfeitamente em The Chimes.

Porém, temos uma intervenção nas misérias de nosso protagonista. Uma intervenção de outro mundo, fora do plano da realidade, impossível de explicar. Os sinos (os "chimes") da igreja onde trabalhava sempre assustaram Trotty. Na noite de véspera de Ano de Novo, esses sinos ganham vida e mostram para o velho todo o seu trágico futuro e de sua pequena família pelas decisões e pensamentos errôneos de seus protagonistas.

Meg teve seu corações envenenado pelas palavras de Sir Peter Laurie e Richard, seu noivo, não teve a bravura e a coragem de enfrentar tal homem importante e suas ideias odiosas. Se a miséria é empecilho de diversas coisas no mundo material, ela jamais deve ser a razão de separar dois amantes que sonhavam com o casamento e com seus futuros filhos. Uma família, por mais pobre que seja, vale muito mais que ambições e fortunas que Sir Peter desejava para Richard. Impossível não ouvir a voz de Chesterton ecoando nessa narrativa e o futuro trágico é quase coroado por uma morte shakesperiana, tal como a personagem Ofélia de Hamlet.

Trotty não deixa que a última oportunidade que recebeu de viver com alegria a própria vida, dada pelos espíritos dos sinos, seja jogada fora. O amor que tinha pela filha e pelo genro, com o acréscimo da sua amizade com o pobre Will Fern e sua sobrinha Lilian, tornam-se a fonte de seu deleite até o fim dos seus dias. As circunstâncias muitas das vezes estão sempre contra nós, mas isso não quer dizer que devemos nos rebelar contra elas, pois essas mesmas circunstâncias podem se provarem como respostas para muitos de nossos problemas. O fato de Trotty ter cruzado o seu caminho do fugitivo Will Fern é uma prova viva disso na narrativa. 

The Chimes ressoa a esperança neste mundo desolado e caído que sufoca o coração humano. Os personagens de Dickens nos ensinam que a miséria e a pequenez tornam-se virtudes para bens maiores, muito maiores do que qualquer bem material ou qualquer coisa que o ser humano possa imaginar e conceber. Não é de valia nenhuma ganhar o mundo e perder a alma. E ainda nos surpreende que o acontecimento mais importante da humanidade se deu numa gruta pobre numa cidadezinha qualquer. 



Feliz Natal!



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