The Crown e o Drama do Matrimônio [2ª Temporada]
For what is wedlock forced but a hell,
An age of discord and continual strife?
Whereas the contrary bringeth bliss,
And is a pattern of celestial peace.
1 Henrique VI Ato V, Cena V
Um casamento forçado é puro inferno,
perspectivas de lutas e discórdias,
ao passo que o contrário só trás bênçãos,
é a imagem de ventura celestial
A fala do duque de Suffok ao Rei Henrique VI sobre a escolha de sua noiva talvez não tenha nada a ver com o drama da segunda temporada de The Crown. De fato, o Rei Henrique, ao contrário da Rainha Elizabeth II, ainda estava longe de passar por todos os dramas que a monarca e os outros personagens da série enfrentam sobre o casamento.
O casamento sempre foi utilizado para diversos fins, seja do mais nobre e virtuoso até o mais interesseiro e violento. Não há como negar, no entanto, que há este desejo mais íntimo no coração humano de unir-se a outro alguém por sermos incompletos em todos os sentidos. Há graus e graus de desejo por tal união.
Há aqueles que a desejam por apenas cumprir mais um item da lista de obrigações; há outros que desejam por terem uma idéia idealizada em demasia como um conto de fadas cheia de musseline e falam, falam o dia inteiro sobre; há aqueles que desejam se casar para não morrer só e há aqueles que desejam o matrimônio para amar.
Na primeira temporada da série vimos a personagem principal aprendendo a lidar com as renúncias de sua própria vontade, o que lhe custou um pouco do apreço de alguns de seus familiares mais próximos como a irmã - Princesa Margaret - e o próprio marido, o Príncipe Philip. Vimos sinais de que o relacionamento da rainha com ele não andava muito bem, mas é nesta segunda temporada que as coisas se complicam.
O drama matrimonial repercute em toda temporada. Mesmo quando as coisas pareciam estar bem entre os dois, era visível em seus olhares o quão distante ambos estavam um do outro, não somente o físico. Philip é um estranho, um homem misterioso como a própria Elizabeth diz, para ela mesma. Cheio de segredos e ambiguidades, o personagem também é um mistério para o público. Pois, afinal de contas, fica a dúvida no ar sobre sua fidelidade para com sua esposa - é como se Philip virasse a Capitu de The Crown, sem nenhum traço de ironia ou humor com a personagem de Machado de Assis.
Elizabeth, agora mais madura, até um pouco mais confiante no seu papel de monarca e chefe da família real, não esconde sua insegurança sobre aqueles que lhe são mais caros. Philip também tem sua história de renúncias e humilhações, como vemos no maravilhoso nono episódio, Patterfamilias.
O passado ainda ecoa para o duque de Edimburgo, que se reflete não somente na sua relação com a rainha, mas também com seus filhos. Temos um homem que sofreu para se tornar o que é, um líder capaz de grandes feitos, mas que precisou se "rebaixar" à sua esposa como um vassalo faria. Não é de se estranhar o que o tanto frustrava no seu casamento. Elizabeth não sabe lidar com a inquietação do marido, já que ela mesma tem as suas próprias dúvidas em relação ao amor dele. Ainda dura? Ainda existe depois de tudo?
Do outro lado da família real, temos a "problemática" (acho que não é a palavra mais correta para defini-la) Princesa Margaret que está em um estado de amargura que, sejamos bem francos, somente outra mulher consegue compreender.
Mas a bagagem emocional que ela carrega, seu sentimento de sentir-se presa por sua condição de realeza, além do aparente desprezo por ela, torna a vida de Margaret mais complicada do que deveria ser. Porém, é tudo uma contradição, pois não haveria alguém mais apto para ser uma rainha do que ela mesma.
Margaret necessita ser vista e ser amada de qualquer forma, o que beira ao desespero. Para isso, quase se casou com um homem qualquer amigo da família apenas para conseguir o que desejava. É uma imagem decadente de uma jovem perdida na própria vida, que acaba por aceitar mais para frente um casamento com um homem que não é do mais moralmente correto para época nenhuma, mas que ela, por fim, o amava mesmo assim.
Enquanto eu assistia, eu me perguntava: será que o amor por alguém era capaz de suportar uma situação horrenda como a infidelidade? Por que uma pessoa permaneceria em uma união, que deveria ser imaculada, porém está cheia de podridão? O casamento fracassado do primeiro ministro Harold Macmillan com Dorothy Macmillan e o aparente sem amor nenhum (ou um amor que se apagou com o tempo) de Jackie Kennedy com John F. Kennedy também assombra. Será que somos capazes de lidar com a sujeira ou a indiferença do outro?
As palavras de duque de Suffok a Henrique VI pode ter outro significado. Todos os casais citados tiverem uma escolha livre, nenhum deles foi forçado por ninguém. Mas talvez foram forçados pela circunstância, pelo medo, pelo amor fugaz, pela angústia, pela vaidade, pelo poder ou pela glória.
O amor em seu sentido verdadeiro fica às sombras, esperando uma oportunidade para ser redescoberto. Felizmente, já no fim da temporada, Elizabeth e Phillip redescobrem esse amor adormecido em si mesmos, em uma curva dramática que os salva de um desastre no futuro.
Nenhuma outra série que tenho ciência retratou toda essa perspectiva e drama sobre o matrimônio atualmente tão bem como como esta segunda temporada de The Crown. Claro que há muito mais fatos interessantes sobre esse segundo ano que se pode comentar, no entanto, a origem da família nunca é um tema obsoleto. Pelo contrário, é mais próximo da realidade do que se imagina.
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