Exércio de Tradução #3 - Anne de Green Gables - Lucy M. Montgomery
by
Juh Lira
- terça-feira, junho 02, 2020
Eu não podia deixar passar a oportunidade passar de traduzir um trechinho de um dos meus livros favoritos da vida. Anne Shirley tem um lugar especial no meu coração, e foi com imenso carinho que me debrucei nesse exercício de tradução de um trecho do primeiro capítulo de Anne de Green Gables.
Anne de Green Gables
Lucy M. Montegomery
Tradução: Juliana Lira
Capítulo I – A sra. Lynde é surpreendida
A sra. Rachel Lynde vivia onde a principal estrada de Avonlea declinava em um pequeno vale, margeado com os amieiros e os brincos-de-princesa, e cruzado por um riacho que tinha a sua nascente no bosque da velha residência dos Cuthbert. Ele tinha a reputação de ser um riacho intricado e impetuoso no curso inicial pelo bosque, com segredos obscuros nos lagos e cascatas. Porém quando chegava em Lynde’s Hollow era um riozinho quieto e muito bem comportado, pois nem mesmo um riacho passaria pela porta da sra. Lynde sem consideração pela decência e o decoro.
Ele tinha ciência que a sra. Rachel estava sentada à janela mantendo os olhos atentos em tudo que se passava, desde os riachos até as crianças, e se percebia algo esquisito ou fora do lugar, ela não descansaria enquanto não fuçasse os por quês e pelos o quês do assunto.
Havia muitas pessoas em Avonlea e fora dela que conseguiam cuidar dos problemas dos outros negligenciando os próprios, mas a sra. Rachel era uma daquelas criaturas competentes que conseguiam administrar as próprias preocupações e de barganha das outras pessoas. Era uma notável dona de casa e o trabalho era sempre feito e bem feito. Ela administrava o Clube de Costura, ajudava na organização da Escola Dominical e era a apoiadora mais fiel da Sociedade de Apoio à Igreja e Auxílio às Missões Estrangeiras. Mesmo com tudo isso, a sra. Rachel ainda arranjava muito tempo para se sentar à janela da cozinha por horas, tricotando colchas de algodão — ela tinha tricotado dezesseis dessas peças, como as donas de casa de Avonlea tinham o costume de dizer com espanto — e mantendo os olhos atentos na principal estrada de Avonlea que cruzava o declive e serpenteava numa colina íngreme e até além dela.
Uma vez que Avonlea ocupava uma pequena península triangular saindo do Golfo de St. Lawrence com água nos dois lados, quem saísse ou entrasse tinha que usar a estrada da colina e passar pela vigia invisível dos olhos da sra. Rachel que viam tudo.
Ela estava sentada em um início de tarde do mês de junho. O sol quente e brilhante entrava pela janela; o pomar na ladeira da casa estava em um rubor nupcial de botões rosas e brancos, cantarolando por uma miríade de abelhas. Thomas Lynde, um homenzinho tímido que os habitantes de Avonlea chamavam de “o marido de Rachel Lynde” estava plantando suas sementes de nabo tardias no campo da colina além do celeiro, e Matthew Cuthbert deve ter plantado as suas sementes no grande campo do riacho avermelhado ao longe de Green Gables. A sra. Rachel sabia que ele deve ter feito isso porque ouviu ele dizer para Peter Morrison, na tarde anterior na loja do William J. Blair em Carmody, que ele pretendia plantar as suas sementes de nabo na próxima tarde. Peter perguntou para ele, é claro, porque Matthew Cuthbert nunca foi conhecido por oferecer informações sobre qualquer coisa por toda a sua vida.
Mas ali estava Matthew Cuthbert às três e meia da tarde de um dia de trabalho dirigindo a charrete sossegadamente por entre o vale até a colina. Além disso, ele vestia um colarinho branco e o melhor conjunto de roupas que possuía, o que era a prova clara que ele estava saindo de Avonlea. Ele estava com a charrete e a égua alazã, o que indicava que ele faria uma viagem longa. Agora, onde Matthew Cuthbert estava indo e por quê ele estava indo?
Se fosse qualquer outro homem de Avonlea, a sra. Rachel, com destreza, juntaria todas as peças e poderia dar uma excelente explicação para as duas perguntas, mas era tão raro Matthew sair de casa que deveria ser algo urgente e incomum que o estava fazendo sair. Ele era o homem mais tímido que existia e detestava ir para lugares com estranhos ou qualquer lugar em que devesse falar. Matthew, vestido com um colarinho branco e dirigindo em uma charrete, não era algo que acontecia com frequência. A sra. Rachel, meditando o que podia, não chegava a nenhuma conclusão e o seu prazer da tarde foi estragado.
“Eu vou passar em Green Gables depois do chá e descobrir por Marilla para onde ele foi e por quê” a mulher respeitável por fim concluiu. “Ele não tem o hábito de ir à cidade nessa época do ano e ele nunca faz visitas. Se as sementes de nabo acabaram, ele não iria se arrumar e pegar a charrete para comprar mais; ele não estava conduzindo rápido o suficiente para ir chamar um médico. Ainda assim, alguma coisa deve ter acontecido na noite passada para fazê-lo sair dessa forma. Eu estou muito intrigada, isso sim, e não terei um minuto de paz na mente ou na consciência até eu saber o que fez Matthew Cuthbert sair de Avonlea hoje”.
Portanto, depois do chá, a sra. Rachel saiu e ela não precisava ir longe. A casa grande e cercada pelo pomar onde os Cuthberts viviam era um pouco menos do que um quilômetro da estrada de Lynde’s Hollow. Era certeza que a longa travessa ia para bem mais além. O pai de Matthew Cuthbert, tão tímido e quieto como filho, foi para o mais longe possível dos seus vizinhos, sem na realidade se refugiar no bosque, quando ele estabeleceu a propriedade. Green Gables foi construída na margem mais longínqua das suas terras bem dispostas e era assim desde então, mal visível da estrada principal juntamente com as outras casas de Avonlea que eram situadas de forma mais sociável. A sra. Rachel dizia que viver em tal lugar não era viver de fato.
“É só habitar, isso sim”, dizia enquanto caminhava pela grama enraizada e margeada com arbustos de rosas silvestres. “Não me espanta que Matthew e Marilla sejam um pouco esquisitos vivendo afastados por aqui e sozinhos. As árvores não são companhias adequadas, embora Deus saiba se há o suficiente delas. Eu prefiro olhar para as pessoas. É certeza que eles parecem satisfeitos o suficiente, mas acho que eles já estão acostumados. Um corpo pode se acostumar com qualquer coisa, mesmo sendo enforcado, como o irlandês dizia” .
Assim, a sra. Rachel passou pela travessa até o quintal de Green Gables. O quintal era muito verde, organizado e bem cuidado, com um lado composto por salgueiros ancestrais e o outro por álamos decorosos. Não havia um graveto, nem pedras à vista, pois a sra. Rachel teria visto se houvesse um. Particularmente, ela era da opinião que Marilla Cuthbert varria aquele quintal tanto quanto varria a casa. Era possível alguém ter comido uma refeição sem exceder o punhado de sujeira .
A sra. Rachel bateu na porta da cozinha sem demora e adentrou quando foi convidada. A cozinha de Green Gables era um cômodo alegre, ou poderia ser se não fosse tão tediosamente limpa a ponto de passar a sensação de um local nunca utilizado. As janelas davam a vista do leste e oeste. Pela vista da janela oeste era possível ver o quintal inundado pela luz do sol suave de junho; mas a janela leste, de onde você poderia ter um vislumbre das cerejeiras brancas e floridas no pomar esquerdo, balançando as finas bétulas em direção ao riacho do vale, estava esverdeada pelo emaranhado das videiras. Ali sentava-se Marilla Cuthbert — quando ela de fato sentava-se, sempre levemente desconfiada do sol, que sempre lhe pareceu muito serelepe e um elemento irresponsável para um mundo que foi feito para ser levado à sério. E ali ela sentava-se agora tricotando, e a mesa atrás dela estava posta para o jantar.
A sra. Rachel, antes de fechar a porta como manda a educação, fez uma nota mental de tudo o que estava em cima da mesa. Havia três pratos postos, o que significava que Marilla estava esperando alguém para o chá junto com a chegada de Matthew. Mas os pratos eram os pratos de todos os dias e havia somente uma geleia de maçã e um tipo de bolo — então a companhia esperada não poderia ser uma companhia especial. Mesmo assim, e sobre o colarinho branco de Matthew e a égua azalã? A sra. Rachel estava ficando um pouco desnorteada com aquele mistério sobre a Green Gables quieta e sem mistérios.
— Boa tarde, Rachel — Marilla disse de forma brusca —, é realmente uma bela tarde, não é? Não vai se sentar? Como vai sua família?
Alguma coisa, na falta de um outro nome, mas que poderia se chamar de amizade, existia e sempre existiu entre Marilla Cuthbert e a sra. Rachel, apesar de — ou talvez por causa — das diferenças entre elas.
Marilla era uma mulher alta e magra, retilínea e com poucas curvas. Os cabelos escuros mostravam algumas mechas grisalhas e estava sempre preso em um coque com dois grampos enterrados de forma agressiva nele. Ela parecia ser uma mulher de experiências limitadas e consciência rígida, o que era de fato. Mas havia alguma coisa na boca que, se tivesse sido um pouco desenvolvida, poderia se considerar como um sinal de senso de humor.
Anne of Green Gables
Lucy M. Montgomery
CHAPTER I. Mrs. Rachel Lynde is Surprised
MRS. Rachel Lynde lived just where the Avonlea main road dipped down into a little hollow, fringed with alders and ladies’ eardrops and traversed by a brook that had its source away back in the woods of the old Cuthbert place; it was reputed to be an intricate, headlong brook in its earlier course through those woods, with dark secrets of pool and cascade; but by the time it reached Lynde’s Hollow it was a quiet, well-conducted little stream, for not even a brook could run past Mrs. Rachel Lynde’s door without due regard for decency and decorum; it probably was conscious that Mrs. Rachel was sitting at her window, keeping a sharp eye on everything that passed, from brooks and children up, and that if she noticed anything odd or out of place she would never rest until she had ferreted out the whys and wherefores thereof.
There are plenty of people in Avonlea and out of it, who can attend closely to their neighbor’s business by dint of neglecting their own; but Mrs. Rachel Lynde was one of those capable creatures who can manage their own concerns and those of other folks into the bargain. She was a notable housewife; her work was always done and well done; she “ran” the Sewing Circle, helped run the Sunday-school, and was the strongest prop of the Church Aid Society and Foreign Missions Auxiliary. Yet with all this Mrs. Rachel found abundant time to sit for hours at her kitchen window, knitting “cotton warp” quilts—she had knitted sixteen of them, as Avonlea housekeepers were wont to tell in awed voices—and keeping a sharp eye on the main road that crossed the hollow and wound up the steep red hill beyond. Since Avonlea occupied a little triangular peninsula jutting out into the Gulf of St. Lawrence with water on two sides of it, anybody who went out of it or into it had to pass over that hill road and so run the unseen gauntlet of Mrs. Rachel’s all-seeing eye.
She was sitting there one afternoon in early June. The sun was coming in at the window warm and bright; the orchard on the slope below the house was in a bridal flush of pinky-white bloom, hummed over by a myriad of bees. Thomas Lynde—a meek little man whom Avonlea people called “Rachel Lynde’s husband”—was sowing his late turnip seed on the hill field beyond the barn; and Matthew Cuthbert ought to have been sowing his on the big red brook field away over by Green Gables. Mrs. Rachel knew that he ought because she had heard him tell Peter Morrison the evening before in William J. Blair’s store over at Carmody that he meant to sow his turnip seed the next afternoon. Peter had asked him, of course, for Matthew Cuthbert had never been known to volunteer information about anything in his whole life.
And yet here was Matthew Cuthbert, at half-past three on the afternoon of a busy day, placidly driving over the hollow and up the hill; moreover, he wore a white collar and his best suit of clothes, which was plain proof that he was going out of Avonlea; and he had the buggy and the sorrel mare, which betokened that he was going a considerable distance. Now, where was Matthew Cuthbert going and why was he going there?
Had it been any other man in Avonlea, Mrs. Rachel, deftly putting this and that together, might have given a pretty good guess as to both questions. But Matthew so rarely went from home that it must be something pressing and unusual which was taking him; he was the shyest man alive and hated to have to go among strangers or to any place where he might have to talk. Matthew, dressed up with a white collar and driving in a buggy, was something that didn’t happen often. Mrs. Rachel, ponder as she might, could make nothing of it and her afternoon’s enjoyment was spoiled.
“I’ll just step over to Green Gables after tea and find out from Marilla where he’s gone and why,” the worthy woman finally concluded. “He doesn’t generally go to town this time of year and he never visits; if he’d run out of turnip seed he wouldn’t dress up and take the buggy to go for more; he wasn’t driving fast enough to be going for a doctor. Yet something must have happened since last night to start him off. I’m clean puzzled, that’s what, and I won’t know a minute’s peace of mind or conscience until I know what has taken Matthew Cuthbert out of Avonlea today.”
Accordingly after tea Mrs. Rachel set out; she had not far to go; the big, rambling, orchard-embowered house where the Cuthberts lived was a scant quarter of a mile up the road from Lynde’s Hollow. To be sure, the long lane made it a good deal further. Matthew Cuthbert’s father, as shy and silent as his son after him, had got as far away as he possibly could from his fellow men without actually retreating into the woods when he founded his homestead. Green Gables was built at the furthest edge of his cleared land and there it was to this day, barely visible from the main road along which all the other Avonlea houses were so sociably situated. Mrs. Rachel Lynde did not call living in such a place living at all.
“It’s just staying, that’s what,” she said as she stepped along the deep-rutted, grassy lane bordered with wild rose bushes. “It’s no wonder Matthew and Marilla are both a little odd, living away back here by themselves. Trees aren’t much company, though dear knows if they were there’d be enough of them. I’d ruther look at people. To be sure, they seem contented enough; but then, I suppose, they’re used to it. A body can get used to anything, even to being hanged, as the Irishman said.”
With this Mrs. Rachel stepped out of the lane into the backyard of Green Gables. Very green and neat and precise was that yard, set about on one side with great patriarchal willows and the other with prim Lombardies. Not a stray stick nor stone was to be seen, for Mrs. Rachel would have seen it if there had been. Privately she was of the opinion that Marilla Cuthbert swept that yard over as often as she swept her house. One could have eaten a meal off the ground without over-brimming the proverbial peck of dirt.
Mrs. Rachel rapped smartly at the kitchen door and stepped in when bidden to do so. The kitchen at Green Gables was a cheerful apartment—or would have been cheerful if it had not been so painfully clean as to give it something of the appearance of an unused parlor. Its windows looked east and west; through the west one, looking out on the back yard, came a flood of mellow June sunlight; but the east one, whence you got a glimpse of the bloom white cherry-trees in the left orchard and nodding, slender birches down in the hollow by the brook, was greened over by a tangle of vines. Here sat Marilla Cuthbert, when she sat at all, always slightly distrustful of sunshine, which seemed to her too dancing and irresponsible a thing for a world which was meant to be taken seriously; and here she sat now, knitting, and the table behind her was laid for supper.
Mrs. Rachel, before she had fairly closed the door, had taken a mental note of everything that was on that table. There were three plates laid, so that Marilla must be expecting some one home with Matthew to tea; but the dishes were everyday dishes and there was only crab-apple preserves and one kind of cake, so that the expected company could not be any particular company. Yet what of Matthew’s white collar and the sorrel mare? Mrs. Rachel was getting fairly dizzy with this unusual mystery about quiet, unmysterious Green Gables.
“Good evening, Rachel,” Marilla said briskly. “This is a real fine evening, isn’t it? Won’t you sit down? How are all your folks?”
Something that for lack of any other name might be called friendship existed and always had existed between Marilla Cuthbert and Mrs. Rachel, in spite of—or perhaps because of—their dissimilarity.
Marilla was a tall, thin woman, with angles and without curves; her dark hair showed some gray streaks and was always twisted up in a hard little knot behind with two wire hairpins stuck aggressively through it. She looked like a woman of narrow experience and rigid conscience, which she was; but there was a saving something about her mouth which, if it had been ever so slightly developed, might have been considered indicative of a sense of humor.