Exercício de Tradução: The Cricket on the Hearth - Charles Dickens

by - quarta-feira, fevereiro 12, 2020




Quem é vivo sempre aparece...

Para ressuscitar o blog, vou aos poucos postando por aqui os meus exercícios de traduções de romances. Encurtando uma história longa, o que era um só desejo vago no tempo da faculdade virou algo mais concreto nesse ano de 2020 em trabalhar com traduções de livros inglês-português.

Já traduzi dois romances (que compõe uma trilogia) pelo Babelcube que dá para conferir aqui. Ouvi muitos tradutores experientes dizendo: só aprende traduzir traduzindo. Como gosto demais de literatura inglesa clássica -- não somente ler como também estudar -- nada melhor do que aperfeiçoar a tradução com autores que você gosta :)

Para esse primeiro exercício escolhi um trecho da novela de Dickens The Cricket on the Hearth que faz parte das cinco novelas natalinas do autor, incluindo Uma Canção de Natal. Sim, Dickens escreveu uma séria natalina, mas infelizmente somente Uma Canção Natal parece ter saído em português por aqui em várias traduções. Já vi uma tradução por uma editora pequena para The Chimes (outra novela que compõe a série) mas não tenha certeza absoluta que alguma editora publicou a série completa. 

Para quem souber ler em inglês e se interessar por essa série natalina, aí vem os títulos:
  • The Chimes
  • The Cricket on the Hearth
  • The Batle of Life
  • The Haunted Man (esse aqui, se não estou fazendo confusão, tem traduzido em uma antologia da editora Martin Claret).

Quando comecei a tradução eu já de cara percebi que seria MUITO desafiante. Quem já leu Dickens no original vai entender o que estou falando; o cara além de ter sido um grande romancista, dominava o vocabulário do inglês como ninguém e seus textos são cheios de joguinhos de palavras e trocadilhos (começando aqui já pelo título da primeira parte!). Nunca demorei tanto para traduzir 4 páginas...


Mas depois de quebrar a cabeça, consegui traduzir o trecho. A novela inteira tem 70 páginas, agora visualiza traduzir tudo (que não chega a ser um livro grande) nesse nível de dificuldade. Parabéns para os tradutores guerreiros de Dickens! xD

Abaixo o resultado da tradução e em seguida o trecho original. Tenho certeza que tem alguns erros que deixei passar, por isso relevem. Sobre a novela, ela conta a história de John Peerybingle com sua jovem esposa Dot e o filho Tilly Slowboy. O relógio cuco na lareira age como um anjo da guarda da família. Um belo dia um misterioso visitante aluga um quarto por alguns dias na casa dos Peerybingles.

O Cuco na Lareira

Um Conto de Fadas do Lar


PRIMEIRO PIAR



Foi a chaleira que começou! Não me diga o que a sra. Peerybingle disse porque eu sei o que aconteceu. A sra. Peerybingle pode ter espalhado para todo mundo que ela não sabia quem começou, mas eu digo que foi a chaleira. Devo saber, não devo? A chaleira começou tudo cinco minutos antes, ao lado do relógio holandês no canto, antes do cuco soltar o pio.

Como se o relógio não tivesse terminado de badalar, com o pequeno e convulsivo camponês em cima dele, balançando de um lado para o outro uma foice em frente ao Palácio de Moorish, o camponês não tinha cortado metade de um acre imaginário de grama antes do cuco se juntar a ele!

Bem, eu não sou otimista de forma natural. Todo mundo sabe que eu não colocaria a minha opinião contra a opinião da sra. Peerybingle, a não ser que eu tenha certeza da coisa. Nada me convenceria de fazer isso. Porém, isso é uma questão de fato e o fato é que a chaleira começou pelo menos cinco minutos antes que o cuco desse qualquer sinal de existência. Contradiga-me e eu vou repetir.

Deixe-me contar o que aconteceu exatamente. Eu deveria ter começado a contar desde a minha primeira palavra, mas por simples consideração, se eu tenho que contar uma história eu devo começar do começo. Como é possível começar do começo sem começar pela chaleira?

Parecia que havia algo combinado ou um teste de habilidades, você me entende, entre a chaleira e o cuco, e foi assim que aconteceu e chegamos até aqui.

A sra. Peerybingle, ao ir para fora em direção a friaca ao crepúsculo, e amassando os pedregulhos com o seus tamancos que desenharam formas grosseiras da primeira proposição de Euclides em todo o quintal -- a sra. Peerybingle encheu a chaleira no barril. Ao retornar, com menos sola dos tamancos (quase sem nada de sola, pois eram altas e a sra. Peerybingle baixinha) colocou a chaleira no fogo. Enquanto executava a tarefa, ela perdeu a paciência ou se esqueceu do que estava fazendo por uns instantes. A água ainda estava muito fria e desconfortável, naquele estado resvalado, molhado e empapado que parece penetrar em qualquer coisa, incluindo as tiras dos tamancos. A água tomou posse dos pés da sra. Peerybingle e até mesmo das suas pernas. Quando arrumamos (e com razão) as nossas pernas, e estamos particularmente apresentáveis em questão de meias, achamos a situação, neste momento, difícil de suportar.

Além disso, a chaleira estava irritante e teimosa. Ela não se ajustava nas barras, não dava ouvidos para se acomodar de forma gentil perto do carvão. Ela se jogou para frente como bêbada, e começou a pingar, como uma chaleira estúpida, na lareira. Rabugenta e brigona, ela chiou e se engasgou ao fogo.

Para completar, a tampa que resistia aos dedos da sra. Peerybingle, primeiro ficou às avessas, e depois, com uma engenhosa pertinácia digna de uma boa causa, caiu de lado e despencou para o fundo da chaleira. E nem mesmo o casco do naufragado navio Royal George fez uma resistência monstruosa para sair da água como fez a tampa da chaleira com a sra. Peerybingle antes dela pegar de volta. Mesmo após sair, a tampa ainda parecia teimosa e cabeça-dura, com um ar de provocação na alça de apoio, apontando o bico de forma impertinente e zombeteira para a sra. Peerybingle, como se dissesse “Não vou ferver! Nada vai me impedir!”

Mas a sra. Peerybingle, com o bom humor recuperado, limpou as mãozinhas gordas uma na outra e sentou-se rindo perto da chaleira. Enquanto isso, o fogo piruetou, subiu e desceu, brilhando e chamuscando no pequeno camponês no topo do relógio holandês, até fazer-nos achar que ele estava imóvel perto do Palácio de Moorish, e nada se movia a não ser a chama.

Porém, a chama se movia em espasmos, de um lado para o outro, para cima e para baixo. Era difícil, no entanto, observar os sofrimentos dele quando o relógio estava prestes a bater. Quando o cuco surgiu na portinhola do palácio e bateu seis vezes, o som o sacudiu a cada badalada, como uma voz fantasmagórica, ou como se algo esguio agarrasse suas pernas.

O camponês só voltou a si do susto depois que o alvoroço, seguido do zumbido entre a carga e as cordas, abrandaram. Tampouco ele estava assustado sem razão, pois as formas ossudas e esqueléticas dos relógios são muito problemáticas de se operarem. Eu me pergunto como que um homem, mas principalmente os holandeses, desejaram criá-los. Há um ditado popular que diz que os holandeses gostam de malas espaçosas e muitas roupas para os seus humildes egos; claro que eles não cometeriam o erro de deixar os relógios tão desprotegidos e murchos, óbvio.


Tradução: Juliana Lira

 

Original em inglês  

The Cricket on the Hearth

A Fairy Tale of Home


CHIRP THE FIRST



The kettle began it! Don't tell me what Mrs. Peerybingle said. I know better. Mrs. Peerybingle may leave it on record to the end of time that she couldn't say which of them began it; but I say the kettle did. I ought to know, I hope? The kettle began it, full five minutes by the little waxy-faced Dutch clock in the corner, before the Cricket uttered a chirp.

As if the clock hadn't finished striking, and the convulsive little Hay-maker at the top of it, jerking away right and left with a scythe in front of a Moorish Palace, hadn't mowed down half an acre of imaginary grass before the Cricket joined in at all!

Why, I am not naturally positive. Every one knows that I wouldn't set my own opinion against the opinion of Mrs. Peerybingle, unless I were quite sure, on any account whatever. Nothing should induce me. But, this is a question of fact. And the fact is, that the kettle began it at least five minutes before the Cricket gave any sign of being in existence. Contradict me, and I'll say ten.

Let me narrate exactly how it happened. I should have proceeded to do so, in my very first word, but for this plain consideration—if I am to tell a story I must begin at the beginning;[104] and how is it possible to begin at the beginning without beginning at the kettle?

It appeared as if there were a sort of match, or trial of skill, you must understand, between the kettle and the Cricket. And this is what led to it, and how it came about.

Mrs. Peerybingle, going out into the raw twilight, and clicking over the wet stones in a pair of pattens that worked innumerable rough impressions of the first proposition in Euclid all about the yard—Mrs. Peerybingle filled the kettle at the water-butt. Presently returning, less the pattens (and a good deal less, for they were tall, and Mrs. Peerybingle was but short), she set the kettle on the fire. In doing which she lost her temper, or mislaid it for an instant; for, the water being uncomfortably cold, and in that slippy, slushy, sleety sort of state wherein it seems to penetrate through every kind of substance, patten rings included—had laid hold of Mrs. Peerybingle's toes, and even splashed her legs. And when we rather plume ourselves (with reason too) upon our legs, and keep ourselves particularly neat in point of stockings, we find this, for the moment, hard to bear.

Besides, the kettle was aggravating and obstinate. It wouldn't allow itself to be adjusted on the top bar; it wouldn't hear of accommodating itself kindly to the knobs of coal; it would lean forward with a drunken air, and dribble, a very Idiot of a kettle, on the hearth. It was quarrelsome, and hissed and spluttered morosely at the fire. To sum up all, the lid, resisting Mrs. Peerybingle's fingers, first of all turned topsy-turvy, and then, with an ingenious pertinacity deserving of a better cause, dived sideways in—down to the very bottom of the kettle. And the hull of the Royal George has never made half the monstrous resistance to coming out of the water which the lid of that kettle employed against Mrs. Peerybingle before she got it up again.

It looked sullen and pig-headed enough, even then; carrying its handle with an air of defiance, and cocking its spout pertly and mockingly at Mrs. Peerybingle, as if it said, "I won't boil. Nothing shall induce me!"

But, Mrs. Peerybingle, with restored good-humour, dusted her chubby little hands against each other, and sat down before the kettle laughing. Meantime, the jolly blaze uprose and fell, flashing and gleaming on the little Hay-maker at the top of the Dutch clock, until one might have thought he stood stock-still before the Moorish Palace, and nothing was in motion but the flame.

He was on the move, however; and had his spasms, two to the second, all right and regular. But his sufferings when the clock was going to strike were frightful to behold; and when a Cuckoo looked out of a trap-door in the Palace, and gave note six times, it shook him, each time, like a spectral voice—or like a something wiry plucking at his legs.

It was not until a violent commotion and a whirring noise among the weights and ropes below him had quite subsided that this terrified Hay-maker became himself again. Nor was he startled without reason; for these rattling, bony skeletons of clocks are very disconcerting in their operation, and I wonder very much how any set of men, but most of all how Dutchmen, can have had a liking to invent them. There is a popular belief that Dutchmen love broad cases and much clothing for their own lower selves; and they might know better than to leave their clocks so very lank and unprotected, surely.

Leia também

0 comentários

Olá. Lembre-se da cordialidade e do respeito. Qualquer comentário desrespeitoso para com a autora ou com terceiros será excluído.

Obrigada.