Resenha: "Canaã" - Graça Aranha
Título: “Canaã”
Autor:
Graça Aranha
Ano de Publicação: 1902/ Edição de 2007
ISBN:
85-7232-675-8
Editora:
Martin Claret
Sinopse: O romance “Canaã” tornou famoso o nome de Graça
Aranha no início do século XX. Lançada em 1902, a obra marcou o movimento
literário com uma nota ruidosa. Por seu tom avançado de cunho social, e até
mesmo socialista, o livro constitui então uma grande novidade.
Trata-se de uma tese sociológica ligada ao problema
da imigração europeia no Brasil, no desenvolvimento do qual o autor usou a fórmula
do naturalismo, em seu objetivismo, na descrição realista de tipos, episódios e
ambientes.
“Canaã” retrata a saga dos imigrantes europeus no
Brasil no início do século XX e seu sonho de encontrar “a terra prometida”.
Obra fundamental para compreensão da cultura brasileira.
Adiei por motivos de tempo e
disposição a leitura do referido livro. Não mais, finalmente cedi a
oportunidade a ele – o coitado estava esperando há meses a vez – e não me
arrependi.
Confesso que é aterrador de
primeiro momento o contato com a linguagem extremamente lírica de Graça Aranha.
Logo nos primeiros capítulos, percebemos o quão o autor se empenha em descrever
a paisagem da colônia(s) alemã residida no Espírito Santo, onde o romance se
desenrola, com a aparição de dois imigrantes alemães: Milkau e Lentz, que se conhece
por acaso.
É fácil se apegar a visão de
mundo de Milkau (que por incrível que pareça, em dados tópicos correspondem a
meu ver). Generoso e de um coração bondoso, no decorrer da narrativa,
particularmente, o encanto é imediato. Lentz, por outro lado, é mais pessimista
e irônico.
O romance seria classificado
facilmente como correspondente da corrente literária do Realismo, porém é muito
vaga esse simples encaixe. O Modernismo da obra está na fácil percepção da
crítica do autor a sociedade brasileira, misturada com as líricas e realistas
descrições do ambiente – este praticamente como se tivesse vida própria – sendo
a Canaã dos imigrantes. Era assim que
eles no início do século passado enxergavam o Brasil, como a “terra prometida”,
um paraíso para recomeçar.
No entanto, qualquer tipo de
sociedade humana, é humana. Isso é
exemplificado na personagem Maria, uma imigrante alemã que trabalhava na casa
de umas das famílias da colônia, mas acaba por cair em grande desgraça ao ficar
grávida do herdeiro dos mesmos.
Aqui a trama ganha um novo rumo. Milkau que a
conheceu numa festa passa a se compadecer da amiga e tenta ajudá-la.
A trama inteira do romance é
apenas um pano de fundo para as críticas tão bem acentuadas da cultura e da
sociedade brasileira. Já naquela época, o autor deixa claro seja através dos
personagens, seja pela própria narração, a decadência que o país se encontrava –
governo instável, invasão estrangeira, miséria, etc. – além de que o Brasil
ainda não possuía a identidade nacional que possui hoje. A nossa cultura foi
fortemente influenciada pela cultura europeia e mais tarde, a norte-americana,
mas desta fusão encontramos a identidade que os intelectuais do século passado
tanto almejavam (vide Semana de Arte
Moderna. Graça Aranha foi um dos contribuintes no evento). Ainda sim, os
próprios brasileiros não valorizam a cultura de berço.
A leitura desse romance veio
em boa hora. Eu meditava sobre esse assunto com meus botões enquanto observava
a cultura americana de agora deturpando a nossa. Brasileiros querendo ser o que
não são; imitando de forma infantil aquilo que não nos corresponde.
Vou ser mais direta: livros
de autores nacionais tentando imitar os livros de autores americanos. Não estou
generalizando, nem nada disso, mas vamos ser francos: a maioria dos livros
atuais lançados por autores que se dizem brasileiros, só é uma imitação barata
e mal feita de livros sobrenaturais consagrados lá fora. Como uma corrente
literária em alta, a Ficção Sobrenatural que começou nos EUA e companhia, chega
aqui também, mas o correto é adaptar como aconteceu com as outras correntes
literárias (Modernismo, Romantismo, etc) o que infelizmente não está
acontecendo!
E é exatamente isso que o
autor critica juntamente com a tenebrosa ordem social. Usei o exemplo dos
romances sobrenaturais para mostrar que as coisas não mudaram em nada quase um
século depois. A cultura brasileira existe, mas os próprios não a valorizam,
entrando numa verdadeira decadência e mediocridade. Não quero dizer para você
parar de livros estrangeiros ou parar de ouvir cantores internacionais. Não é
nada disso. O que eu digo é: valorizar a nossa cultura também, e é a
nossa cultura de fato, não aquilo que o senso comum diz ser cultura.
Entendem o que eu quero dizer? Se não entenderam, leiam essa postagem do blog Livros
Só Mudam Pessoas e reflitam.
Desviando da minha própria
crítica embasada na crítica do livro, a leitura deste, não considero fácil.
Sim, o livro é curto, mas exige do leitor um bom vocabulário, paciência e
reflexão. Em algumas passagens a leitura era por ora maçante devido às minuciosas
descrições e os extensos diálogos. Porém é válido o relacionamento que ia
crescendo entre Milkau e Maria que comandam os acontecimentos até o final. Em
se tratando do desfecho... Fiquei surpresa, pois eu não esperava que o livro
acabasse daquela forma, o que deixa o leitor intrigado.
Graça Aranha nos deixa um
belo ensinamento na obra “Canaã”.
Quem faz da vida um paraíso ou o inferno somos nós mesmos. Nossa ambição ou
nossa virtude pode transformar nossa morada no mundo como uma Canaã ou um
Purgatório.
A obra trata de tantos
assuntos, que daria para escrever uma tese ou daria ótimos debates. Por ora,
limito-me até aqui, indicando “Canaã”,
caso o caro leitor se sinta propenso a uma leitura filosófica.
Encerro com um quote retirado da obra, que resume por
demais toda essa resenha:
“[...] O aspecto da sociedade brasileira é uma
singular fisionomia de decrepitude e infantilidade. A decadência aqui é um
misto doloroso de selvageria dos povos que despontam para o mundo, e do
esgotamento das raças acabadas. Há uma confusão geral. As correntes da
imoralidade vagueiam sobre a sociedade e não encontram resistência em nenhuma
instituição. Uma tal nação está preparada para receber o pior dos males que
pode cair sobre o mundo: a geração dos governos arbitrários e despóticos. Se a
sociedade é uma obra de sugestão, que se pode esperar dos sentimentos, da
idealização das massas incultas, quando a imaginação delas é deslumbrada pelo
espetáculo da mais desbragada perversão dos governantes? [...]”
Canaã,
página 191.
PS:
Para quem não está muito acostumado a ler romances desse grau, uma dica: leia
com calma e devagar. Se não entendeu alguma passagem, volte e leia novamente
quantas vezes for necessário. Terminada a leitura, pare e reflita sobre o que
leu, então deixe para continuar só no dia seguinte. Garanto que esse exercício
é muito prazeroso e quando você terminar vai sentir satisfeito e orgulhoso do
esforço. =D
Classificação:
Espero que tenham gostado.
Bjos!
5 comentários
Adoro livros de época e este ainda não li. Vou coloca-lo na minha lista.
ResponderExcluirConcordo que temos que valorizar um pouco mais nossa cultura, e acho que isto está acontecendo, não na velocidade que deveria, mas já deu uma boa acelerada.
um abraço
Gisela - Ler para Divertir
Leia Gisela, tenho certeza que vc vai apreciar =)
ResponderExcluirNos últimos anos é perceptível uma certa valorização da cultura nacional, mas ainda sim...
Bjos!
Oi Lieh!
ResponderExcluirGostei da sua resenha, mas acho que não leria o livro, não faz meu estilo...
Eu gosto de romances sobrenaturais, mas achei muito legal o paralelo que você fez entre a nova moda e o livro - que foi escrito em 1902, ou seja, muito antes do nosso tempo. Parabéns pela ótima resenha!
Beijos,
Sora - Meu Jardim de Livros
Oi, Sora obrigada pelo elogio. Eu gosto de livros que abordam temáticas polêmicas hehe.
ResponderExcluirObrigada!
Leia Gisela, tenho certeza que vc vai apreciar =) Nos últimos anos é perceptível uma certa valorização da cultura nacional, mas ainda sim... Bjos!
ResponderExcluirOlá. Lembre-se da cordialidade e do respeito. Qualquer comentário desrespeitoso para com a autora ou com terceiros será excluído.
Obrigada.