[Projetor] Silêncio
Em noite tão ditosa,
E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa alguma,
Sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.
Trecho do poema "Noite Escura" de São João da Cruz
São João da Cruz, santo e místico da Igreja ensina que todo cristão irá passar por uma noite escura, a noite em que nos sentiremos abandonados e mais sozinhos do que nunca. Uma noite de tormentas e lágrimas, a noite mais difícil da sua vida. O silêncio de Deus irá ser mais forte do que nunca, tal qual o mesmo silêncio do Sábado Sagrado quando toda a Terra silenciou enquanto o Cristo completava a Sua última missão.
Em Silêncio (Silence) baseado no livro de Shusaku Endo e dirigido por Martin Scorsese, um dos meus diretores favoritos, vemos esta grande noite escura na figura dos padres jesuítas portugueses Sebastião Rodrigues (Andrew Garfield) e Francisco Guarupe (Andrew Driver) que saem da Europa em missão em busca do padre Cristóvão Ferreira (Liam Neeson) dado como perdido e apóstata no Japão feudal do século 17, onde o catolicismo foi banido pelo governo japonês, unido à uma perseguição sangrenta pelos budistas a todos que se suspeitassem serem cristãos.
Antes de assistir ao longa li algumas críticas de sites católicos que se detiveram com afinco ao tema da apostasia. De fato, comparado com o glorioso martírio dos santos que morreram por sua fé, ser um apóstata (mesmo nas circunstâncias extremas do filme) não é de glória nenhuma, mas sim grande vergonha - o que o longa deixa em evidência e foi a arma de combate escolhida pelo governo japonês para varrer o catolicismo do país.
O padre Rodrigues demonstra até a metade do filme o orgulho e amor que tinha por Cristo e por sua fé, chegando ao ponto de comparar a si mesmo com o Salvador em uma cena pertubadora. A fé do jesuíta passa a ser posta à prova de maneira cruel ao ver aqueles que tanto amava martirizados, em parte por culpa dele mesmo. Aos poucos ele começa a se questionar se Deus ouvia suas orações e preces desesperadas, enquanto que via o pior do ser humano e aprendia o perdoar setenta vezes sete na figura de Kichijiro, apóstata da pior espécie.
O silêncio reina durante todo o filme que não tem trilha sonora, a ponto dele se tornar opressivo e desesperador, assim como o coração do padre Rodrigues. É de se perceber que seu desejo de evangelização era em parte pela vaidade de querer fazer grandes obras, talvez maiores do que a capacidade dele.
É somente no sofrimento ao sentir o peso da cruz que se perceber até onde a sua fé é capaz de ir, sendo assim lembrei da negação de São Pedro no Evangelho da Paixão em vários momentos. No entanto, é difícil ter certeza somente pelo filme se ele negou de coração sua fé ou não, pois a cena é ambígua creio que de forma proposital para deixar esta dúvida.
Apesar disso, o problema do filme é justamente a ambiguidade e o relativismo da fé, que se assistido por uma pessoa menos esclarecida, pode levá-la ao erro e a perdição. Sendo assim, é preciso tomar muito cuidado com a mensagem moralmente duvidosa sobre a apostasia apresentada em Silêncio.
É somente no sofrimento ao sentir o peso da cruz que se perceber até onde a sua fé é capaz de ir, sendo assim lembrei da negação de São Pedro no Evangelho da Paixão em vários momentos. No entanto, é difícil ter certeza somente pelo filme se ele negou de coração sua fé ou não, pois a cena é ambígua creio que de forma proposital para deixar esta dúvida.
Apesar disso, o problema do filme é justamente a ambiguidade e o relativismo da fé, que se assistido por uma pessoa menos esclarecida, pode levá-la ao erro e a perdição. Sendo assim, é preciso tomar muito cuidado com a mensagem moralmente duvidosa sobre a apostasia apresentada em Silêncio.
O mérito do filme em si mesmo é mostrar este outro lado nada glorioso e nem bonito da vida de muitos cristãos até os dias de hoje. Particularmente foi um filme difícil de assistir, pois não foram poucas as cenas em que eu mesma me identifiquei na pele do padre Rodrigues, implorando que o silêncio do Criador fosse quebrado e eu tivesse as respostas que eu buscava em meio à angústia e as lágrimas. Não sei se já passei pela minha noite escura, porém nos últimos anos eu tive um prelúdio dela.
Mas é no silêncio que escutamos a Voz Dele e por mais que questionamos Seus desígnios o tempo todo, Ele também sofre conosco - tal qual se vê no final do filme - e sem percebemos a graça se opera. É importante passar pela noite escura, mas sem esquecer que o sol se levanta ao raiar do dia.
Silêncio é um retrato sofrido e doloroso do peso da cruz do começo ao fim, ao ponto do próprio telespectador ficar sem esperança. Contudo essa virtude sempre renasce, por mais pantonoso que seja os corações, e a chama da fé do protagonista é reacendida, de forma tímida. O mundo vive um grande Sábado do silêncio de Deus depois que a humanidade O rejeitou - porém é sempre possível ouvir Sua Voz que sussurra nos corações, basta querer e buscar.
Título: Silence
Ano: 2016
Direção: Martin Scorsese
Roteiro: Jay Cocks, Martin Scorsese
Gênero: Drama Histórico
País: EUA/Taiwan/México
2 comentários
Silêncio é um filme que se despe de uma estética pré-estabelecida por outros filmes do diretor, buscando construir planos de extrema contemplação para que se sinta o peso daquele mundo retratado. Liam Neeson foi meu favorito do filme, lembro dos seus papeis iniciais, em comparação com os seus filmes atuais, e vejo muita evolução, mostra personagens com maior seguridade e que enchem de emoções ao expectador. Eu amo os filmes com Liam Neeson e desfrutei muito sua atuação neste filme 7 Minutos Depois da Meia Noite cuida todos os detalhes e como resultado é uma grande produção e muito bom elenco.
ResponderExcluirOlá Camila, obrigada pelo comentário. Sim você está certíssima no seu comentário, pois pelo o que me recordo de outros filmes do diretor que eu já vi, Silêncio foge de qualquer padrão que ele vinha seguindo, o que é bem legal. Não cheguei a ver ainda Sete Minutos Depois da Meia Noite, mas estou querendo assistir assim que possível :)
ExcluirAbraços!
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